quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

ERA ANDAR ALI COM A PICARETA ...

ERA ANDAR ALI COM A PICARETA ...

(...) Comecei logo aí a trabalhar no duro, a dar dias. A seguir fui para a construção da estrada da Sandinha. Tinha aí os meus 14 anos. Andava com um carro de mão a acarretar cascalho. Depois, fui para as minas debaixo do chão, a 150 metros. E eu tinha 16 anos e, por isso, não podia andar nas minas. Mas havia aqui um senhor muito bom (...) e eu pedi-lhe. Ele falou com o encarregado e eu lá fui. Era uma responsabilidade, mas na estrada ganhava 9$50 e lá ganhava 12$50 ao dia. Está a ver, eram mais 3$00 e eu, tumba, lá para baixo! Íamos a pé daqui para a Sandinha. No tempo do Inverno, fazia-se o caminho sempre de noite de manhã e à noite. Tínhamos um gasómetro a carbureto, e a gente enfiáva-o aqui (aponta para o ombro) para nos alumiarmos por esses carreiritos abaixo. Lembro-me de levar a saquita do farnel às costas, um garrucito na cabeça, o gasómetro pendurado ao ombro e, com as mãozitas nos bolsos, tuc...tuc...tuc. Era uma hora e meia a pé para cada lado. E se fôssemos para um escritório! Mas era andar ali com uma picareta e tudo o mais. Agora há máquinas, mas antes era tudo manual. A nossa família, os nossos pais e as raparigas ... as raparigas só as víamos aos Domingos. Era de oito em oito dias. Ainda sou do tempo de se ganhar 5$00, por dia. Quando foi do ciclone, aí em 1940, acartei às costas muitos toros de madeira para queimar e ganhava 2$50, meio dia e 5$00, o dia. A vida aqui era muito ingrata, e ainda havia quem passasse pior. Quando tinha aí 17 anos, fui para Lisboa. (...).
Excerto de entrevista. O protagonista refere-se ao início dos anos quarenta.
Lisete de Matos Agosto, 1997.
in "Dos Objectos para as Pessoas"

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